Localizado no centro de São Paulo, o Museu das Favelas é o primeiro a trazer a história, protagonismo e representatividade das periferias em um palácio clássico ao estilo europeu. O museu, que está no seu primeiro ano, é aberto a todo o público de terça a domingo das 9h às 17h, com entrada gratuita.
História do museu
O Palácio dos Campos Elísios está localizado em um bairro homônimo à fundação, na Avenida Rio Branco, 1269. O nome da região, “Campos Elíseos” advém do famoso bairro parisiense, o Champs-elyseés e foi projetado para ser a morada da elite cafeeira paulistana.
O arquiteto designado para a construção do palacete foi o alemão Matheus Häusler, em 1890, o mesmo criador do Viaduto do Chá, também no centro paulistano. A obra serviu de moradia para o cafeicultor Elias Antônio Pacheco e Chaves, que pediu por uma estética renascentista francesa.
Já em 1911, o palácio foi vendido ao Estado, que o usou como residência para diversos políticos e governantes do Brasil e do estado de São Paulo. O lugar já sediou diversas ocupações de manifestantes, deposição de líderes e até bombardeios, fatos que transformam o local em uma grande área de tensão.
O palácio sofreu com um grande incêndio, que deteriorou parte da sua fundação. Na década seguinte, o local foi tombado como patrimônio histórico, ato que evitou a demolição desejada pelo governo paulista. Em 2004, o Campos Elíseos recebeu um projeto de restauração, que foi finalizado somente em 2017.
Até abrigar o Museu das Favelas em 2022, o Palácio foi sede de diversas secretarias de Estado, morada de políticos e de cafeicultores. O próprio bairro, que foi planejado para a mais alta elite econômica paulistana, experienciou diferentes grupos sociais.
Mas por que escolher o palácio para a moradia da cultura das favelas? O próprio local foi escolhido como uma forma de ocupar a sociedade com as tradições das periferias. A escolha do palácio dos Campos Elíseos, símbolo do governo e da elite que oprimem as favelas, surge como uma manifestação em si. O museu transformou um monumento elitista em um fenômeno para mais de 17 milhões de favelados atualmente, e outros milhares na história de construção do país.
Favela-Raiz: a identidade periférica
No primeiro andar são sediadas as exposições temporárias, tendo já recebido como primeira exposição do museu a comemoração de 20 anos da “Feira Preta”, evento tradicional organizado pela empreendedora Adriana Barbosa. O espaço é destinado para preservação, produção e comunicação das memórias e potências criativas das favelas brasileiras.
Atualmente está instalada a exposição “Favela-Raiz”, uma ocupação- manifesto que trata sobre a formação da identidade das pessoas relacionando com ancestralidade, gênero e força de trabalho.
Com uma expressiva e colorida obra de crochê de Lidia Lisbôa na entrada do edifício, encontra-se em seguida a exposição audiovisual Visão Periférica. "Entre, fique à vontade. O Palácio agora é seu, é nosso…”, frase escrita no totem da exposição realça o contraste dos sons e imagens do cotidiano da favela que são projetados na arquitetura elitista do local.
A exposição audiovisual retrata a pluralidade das periferias [Imagem: Arquivo pessoal/ Lívia Uchoa]
Ao fim do passeio no espaço interno há uma exposição sonora interativa sobre a beleza na favela, com grandiosos espelhos na parede que permitem a reflexão sobre o que é belo e como o bonito hoje em dia tem espaço para a pluralidade da favela.
A biblioteca
O Centro de referências, pesquisa e biblioteca das favelas (CRIA) é o espaço que o museu dedica à pesquisa e acervos de obras relacionadas à favela. “As bibliotecas públicas não chegam às periferias", declarou Sidnei Rodrigues, bibliotecário responsável pela curadoria. Para ele, a biblioteca do Museu das Favelas tem como objetivo aumentar o acesso à informação ao construir uma base de dados e obras diversas que conversam com as periferias.
O espaço gera um sentimento de identificação com o visitante. Além de especialistas, o acervo foi escolhido com a ajuda do público, que por meio do Instagram sugeriram obras e autores que gostariam de ter na biblioteca. A partir dessas sugestões, Sidnei explicou que foi feita uma seleção de livros que resultou em um rico acervo de autores que moram nas favelas e pesquisadores da área. "O coração desse acervo é a colaboração", contou o bibliotecário.
As placas que compõem a biblioteca foram feitas pelo artista plástico Hugo Cacique, inspirada na obra dos Racionais Mc's [Imagem: Arquivo Pessoal/ Lívia Uchoa]
Além das obras disponíveis para leitura no local, o museu inaugurou, no dia 6 de junho, uma sala de estudos aberta ao público. Também está em andamento o projeto de empréstimo de livros do acervo, o que tornaria a biblioteca do Museu das Favelas a primeira a emprestar livros para os visitantes.
Projetos e ações sociais
O esforço para viabilizar que obras culturais de favela acessem o Museu com maior facilidade também é notado na criação de projetos como o Favela Ocupa. Através dele, organizadores de produções culturais relacionadas às favelas e periferias podem enviar novas propostas para o Museu, que por sua vez selecionará a produção a ser exibida por meio da concessão de um espaço ou aporte financeiro.
A análise das propostas é feita mensalmente pelo Comitê Interno, com retorno previsto para até 60 dias após o envio. Podem ser cadastradas diversas instalações, como intervenções teatrais no jardim — que fica à entrada do edifício, pela entrada da rua Guaianases —, lançamentos de livros, saraus, apresentações, entre outras.
Recados escritos pelos visitantes [Imagem: Arquivo pessoal/ Lívia Uchoa]
Por ser localizado no centro da cidade, o acesso ao museu por parte dos moradores das favelas é difícil. Pensando nisso, foi criado o Passaporte das Favelas. As pessoas que moram nas regiões mais afastadas podem agendar uma visita em grupo, com trajeto gratuito via ônibus. Segundo Sidnei, o público das favelas tem o direito de ter acesso ao que lhes representa. “O nosso foco são as favelas e as periferias", pontua.
Para a melhor estadia dos que permanecerem no local por longos períodos, há também um projeto futuro de instalações de lojas que vendem produtos de favela, como roupas e livros. Além da abertura de um restaurante, já que até o momento o local conta com apenas um food truck no jardim.
“Todos os nossos fornecedores e tudo que você está vendo aqui são de favela. Inclusive a equipe, que é bem eclética”, observa Sidnei. O público que frequenta o museu também é diverso, variando de crianças, jovens, adultos brasileiros até grupos de turistas internacionais.
Atualmente, o foco está no projeto da exposição permanente no segundo andar, que atualmente passa pelo processo de curadoria. A previsão é que o espaço seja aberto ainda esse ano. A programação de junho, que já está disponível, foi inspirada no Mês do Orgulho LGBTQIAPN+.
Um dos elevadores do edifício que dá acesso ao segundo andar. [Imagem: Arquivo pessoal/Jônatas Fuentes/Central Periférica]
Lívia Uchoa, Isabella Gargano, João Chahad, Jônatas Fuentes, Gabriel Reis e Renan Affonso
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