Manifestação organizada pela UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas) pela revogação do Novo Ensino Médio. [Arquivo Pessoal/Gabriel Reis]
Durante o governo de Michel Temer, foi assinada em 23/09/2016 a Medida Provisória 746 que instituiu o chamado Novo Ensino Médio (NEM). Cerca de cinco meses depois, essa MP foi convertida para a lei 13.415. A cada processo de efetivação deste projeto, diversos setores da sociedade civil e parlamentares manifestaram contra a transformação, com falas que destacavam a falta de recursos da rede pública para a implantação integral e a instrumentalização da educação. Mesmo assim, o NEM entrou em vigor amplamente no começo desse ano, mas já foi suspenso em 5 de abril pelo atual governo por ao menos 60 dias.
Essa decisão foi tomada por conta das evidentes falhas de implantação do processo: com o despreparo dos professores, a falta de aceitação do modelo pelos alunos e a ausência de estrutura (principalmente) da rede pública trouxeram luz ao debate inicial da proposta. Sem o contato com os alunos, coordenadores e educadores, o Novo Ensino Médio já nasce imerso em problemáticas. Guilherme Cortez (PSOL), deputado estadual em São Paulo, engajado nos movimentos estudantis antes mesmo de seu mandato, afirmou em uma entrevista para o Central Periférica: “a reforma nos foi dada de uma forma totalmente antidemocrática", e acrescenta: "sem diálogo com a sociedade civil, movimentos ou entidades”.
Essa retórica excludente do projeto é abordada também pelo aluno Lucas Alonso, estudante da rede estadual paulista. Ele destaca como os professores não se sentem à vontade para ministrar aulas que não concordam ou que não possuem a devida competência para atuar: “Eles (os professores) também falam muitas vezes que não é aquilo que eles querem continuar aplicando para os alunos”. Além disso, Lucas fala também sobre a importância de ouvir a opinião dos alunos sobre mudanças estruturais do ensino: “porque é a gente que vive, a gente que está no dia a dia, sentindo na pele. Então, o principal fator é o aluno”.
Jovem em manifestação pedindo a revogação do Novo Ensino Médio [Arquivo Pessoal/Gabriel Reis]
Segundo o portal do MEC, o projeto tem como princípio o oferecimento de “oportunidades equivalentes às ofertadas nos principais países”, com a consideração das “necessidades individuais dos estudantes”. Está na lei a alteração da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a criação de itinerários formativos, a escolha de qual núcleo de matérias o aluno irá se destinar e a formação dos professores para lecionar determinada matéria. Além disso, o projeto exclui certos conteúdos do currículo obrigatório, como ciências da natureza, ciências sociais e filosofia, e determina somente matemática e língua portuguesa como fixas em todos os núcleos.
Estruturas frágeis
Com a aplicação ampla do NEM em 2023, foi observado em diversas redes de ensino e, de forma mais precária, nas instituições públicas que grande parte das informações que constituem a lei não foram contempladas integralmente. “Isso é uma realidade na maioria das escolas públicas brasileiras; não dá para a gente ajustar ou revisar algo que parte de premissas equivocadas”, afirma Cortez, que diz manter diálogo com diversos setores da educação.
A própria estrutura educacional não está preparada para receber o Novo Ensino Médio, e isso fica evidente na preocupação com o desempenho nos vestibulares, como cita Vitória, da Escola Estadual Martim Francisco, na Zona Sul de São Paulo. “Sinceramente não tem como passar no vestibular com o que dá na escola, principalmente agora sem as matérias básicas” afirma a aluna sobre o esquema de itinerários sem fundamentos e a mudança na BNCC. Segundo ela, a proposta não saiu como deveria, e a modernização propagada não foi sentida por ela: “eu acho que o ensino médio antigo é melhor do que o de agora, com certeza”.
O NEM como está configurado é impraticável pela rede pública de ensino, por conta da grande necessidade de recursos físico e técnicos que não são vistos nesses locais. Aliado a isso, a educação brasileira não possui estruturas suficientes para amparar o aluno vestibulando e o que já está imerso no mercado de trabalho. “Nenhuma reforma pode ser construída ou persistir sem ser criada a partir das demandas daqueles que vão ser impactados por ela”, diz Cortez acerca da ausência de sentido da lei. O deputado finaliza ao citar que “o Novo Ensino Médio já nasceu ‘velho’ e derrotado” e completa que a suspensão não soluciona o problema por completo: “a revogação é urgente”.
Veja a cobertura fotográfica da manifestação do dia 19 de abril pela revogação do novo ensino médio e pela paz nas escolas.
Ouça também o podcast com entrevistas com representantes de entidades estudantis, estudantes do ensino médio e Thiago Torres, o Chavoso da USP.
João Chahad, Renan Affonso, Jônatas Fuentes, Lívia Uchoa, Gabriel Reis, Isabella Gargano
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